Cresci em um ambiente onde só havia espaço para um tipo de fé: aquela que me ensinaram como “certa”. No caminho para a escola, passava pela esquina da minha rua onde ficava o terreiro de Dona Maria. Mas, em vez de seguir em frente, atravessava a rua. Um gesto aparentemente simples, mas carregado de medo e preconceito, alimentado por uma intolerância silenciosa.
Eu não entendia. Via as pessoas do candomblé como “diferentes” ou distantes, sem nunca ter trocado uma palavra com elas. Eram rostos que eu evitava, rituais que me assustavam por pura ignorância. O preconceito cega. E essa cegueira, alimentada por anos, me afastou da possibilidade de entender que, no fundo, as nossas lutas e alegrias não são tão diferentes assim.
Um dia, tudo mudou. Minha mãe passou mal na rua, ali, bem próxima ao terreiro. Quem a ajudou? Dona Maria e algumas pessoas de lá. Em nenhum momento perguntaram qual era a religião dela, quem ela era ou de onde vinha. Apenas agiram com bondade e respeito. Naquele momento, uma ficha caiu: como era possível eu ter tanto medo e preconceito contra alguém que estendia a mão tão prontamente?
O tempo passou, e comecei a reparar no papel do terreiro na nossa comunidade. Não era apenas um espaço de fé, mas também um lar de acolhimento. Dona Maria e outras pessoas do candomblé não apenas mantinham sua religiosidade, mas também distribuíam marmitas para quem tinha fome, davam conselhos para os jovens e promoviam oficinas de percussão, corte e costura – atividades que geravam impacto e faziam diferença.
Me senti envergonhado. Envergonhado por anos de distanciamento, anos de olhares tortos, anos em que me deixei levar por uma ignorância sem base. Como pude julgar tanto? E, principalmente, como pude deixar de enxergar o quanto o terreiro fazia pelo nosso bairro, pelo Nordeste de Amaralina?
Hoje, vejo a realidade com outros olhos. Entendi que Deus, ou o que cada um acredita, se manifesta de formas diferentes para cada pessoa. É no respeito e na convivência que encontramos força.
No Nordeste de Amaralina, somos uma mistura de culturas, histórias e espiritualidades. Entre as igrejas evangélicas, as católicas e os terreiros, cada espaço tem seu valor e seu impacto. Não há “certo” ou “errado”. Há união no meio da diversidade.
A intolerância nasce do medo e da distância. Mantemos preconceitos porque não conhecemos o outro, porque nos recusamos a entender suas vivências. Mas basta abrir os olhos – e o coração – para ver que, independentemente da fé ou da crença, cada pessoa pode contribuir para construir um lugar melhor.
Minha jornada ainda está em andamento, mas o que aprendi é simples: o Nordeste de Amaralina se fortalece na diversidade. E a primeira etapa para essa força crescer é respeitar. Afinal, a bondade, o amor e o acolhimento não têm religião.
Este relato foi contado por um seguidor que não quis se identificar.