O Que Fazer Nordeste de Amaralina

Nordeste Origens: A Lavagem de Amaralina – Uma Festa Que Resistiu Até Onde a Cultura Permitiu

Compartilhe nas mídias:

Existem festas que não apenas celebram, mas também resistem. Assim foi a Lavagem de Amaralina, uma tradição que nasceu no Largo das Baianas, em Salvador. Criada em 1986, pelas baianas que já eram figuras indispensáveis em lavagens como Bonfim, Itapuã e Pituba, a Lavagem de Amaralina foi um ato de resistência cultural em um bairro que, até então, não tinha sua própria celebração.

Ao perceberem essa ausência, as baianas decidiram agir. Sem uma igreja para realizar a lavagem, adaptaram o ritual ao espaço que representava sua força: o quiosque onde trabalhavam diariamente. A ideia era simples, mas carregada de significado. O que começou como uma brincadeira entre elas logo ganhou corpo, transformando-se em uma festa que durou cerca de 17 anos.

O Início de Uma Tradição

Segundo D. Emília, uma das idealizadoras, a festa teve seu início com um cortejo saindo do Quartel do 4º GMAC em direção ao Largo de Amaralina. Era um espetáculo de cultura e pertencimento. Com músicas, danças e a presença dos Filhos de Gandhi, o evento se tornou uma celebração única que movimentava o bairro.

Mais do que um simples evento, a Lavagem de Amaralina era uma resposta ao silenciamento das periferias. A decisão de “lavar o quiosque” simbolizava a capacidade de reinventar tradições em um cenário urbano que nem sempre reconhecia ou valorizava a cultura local.

União e Organização Comunitária

A Lavagem de Amaralina não era apenas uma festa, mas também um exemplo de como a união da comunidade pode superar desafios. A organização começava meses antes, em setembro, com a realização de um grande caruru. Este evento, além de reforçar laços comunitários, servia para arrecadar fundos necessários para os preparativos da festa.

Ainda que boa parte do que se conseguia viesse de doações e trabalho voluntário, o caruru atraiu a atenção da imprensa baiana, destacando a força e o protagonismo das baianas do Largo.

Os Anos de Ouro

Entre 1986 e 2003, a Lavagem de Amaralina foi um marco para os moradores do bairro. Durante esses anos, a festa conseguiu manter-se fiel às suas raízes, celebrando a cultura de forma genuína, sem registros de violência ou incidentes. Era um dia inteiro de festa, música e celebração.

No entanto, como acontece com tantas manifestações culturais da periferia, a Lavagem de Amaralina também enfrentou desafios. Com o tempo, a organização passou para outras pessoas, e a festa perdeu força, culminando em seu fim.

O Fim da Lavagem e o Papel da Burguesia

A Lavagem de Amaralina foi descontinuada em 2003, assim como outras festas icônicas de Salvador, como a Lavagem da Pituba. Este declínio não foi por acaso. A gentrificação e o avanço da burguesia nas áreas urbanas frequentemente sufocam as expressões culturais das periferias, apagando aos poucos tradições que não se alinham aos interesses econômicos e sociais das elites.

Uma História Que Não Pode Ser Apagada

A Lavagem de Amaralina permanece viva na memória daqueles que participaram e na história do bairro que lhe deu origem. Foi mais do que uma festa; foi um ato de resistência e um lembrete da força de um povo que luta diariamente para manter sua identidade cultural em meio a tantas adversidades.

No Nordeste de Amaralina, sabemos bem o peso do silenciamento, mas também conhecemos o poder das nossas histórias. Por isso, lembrar a Lavagem de Amaralina é também honrar a luta de quem não se rendeu.

Enquanto a burguesia avança, enquanto tentam transformar nossos bairros em espaços que não nos reconhecem, seguimos resgatando nossas raízes e reafirmando nossa presença. Porque onde houver resistência, haverá memória.