A história do acarajé em Salvador é mais do que uma tradição culinária; é um símbolo da cultura baiana e da luta das mulheres que, ao longo de décadas, mantiveram viva essa prática, enfrentando desafios como o preconceito e as dificuldades do cotidiano. Entre os muitos lugares que marcaram a história do acarajé na cidade, o Largo de Amaralina, localizado na região Nordeste de Salvador, é um dos mais emblemáticos. No entanto, com o passar dos anos, as mudanças no local e a decadência da qualidade do produto têm gerado debates sobre se o melhor acarajé da Bahia ainda é feito ali.
A Baiana de Acarajé: Uma Tradição Familiar
A profissão de baiana de acarajé é tradicionalmente transmitida de geração para geração, frequentemente associada a um contexto religioso. Muitas das mulheres que trabalham com acarajé em Salvador seguem um legado familiar e iniciam na prática desde jovens, aprendendo a arte do preparo do bolinho com suas mães e avós. No entanto, nem todas as histórias de baianas de acarajé seguem esse caminho. Algumas começam sua vida profissional em outras áreas e, ao decidirem vender acarajé, precisam passar pelos ritos tradicionais que ainda são exigidos para poderem colocar seu tabuleiro nas ruas, mantendo viva a tradição e a cultura da profissão.
O Preconceito com a Profissão
Até os anos 60, a venda de acarajé era uma profissão marginalizada e desacreditada, com forte preconceito moral. O trabalho das baianas de acarajé era visto como uma profissão sem valor, justamente porque essas mulheres, muitas delas com uma liberdade rara para a época, eram vistas como ousadas por serem independentes, não respeitarem normas rígidas e falarem abertamente sobre o que pensavam. Para elas, vender acarajé não era apenas um sustento, mas uma forma de resistência e afirmação de sua liberdade.
A Dura Rotina de Trabalho das Baianas
O trabalho de uma baiana de acarajé, apesar de ser considerado por muitas como divertido, envolve uma rotina extremamente pesada. O dia começa cedo, com a compra dos ingredientes, muitas vezes na tradicional Feira de São Joaquim. Após isso, vem a preparação da massa, que até pouco tempo atrás era feita manualmente. A baiana, então, carrega todos os utensílios necessários para armar seu tabuleiro na rua e começar a vender. A venda em si, por sua vez, não tem hora para acabar, o que exige muito da saúde física e mental dessas mulheres.
O Tabuleiro de Acarajé: De Tudo se Vendia
Nos anos 60 e 70, antes de as baianas montarem as barracas fixas, elas armavam seus tabuleiros nas calçadas e vendiam de tudo. Não se limitavam apenas ao acarajé. Além do famoso bolinho, as baianas vendiam abará, bolinho do estudante e cocada, entre outros quitutes típicos. A tradição de vender na rua tinha um apelo popular e uma diversidade de opções que atraía todos os tipos de consumidores.
O Quiosque de Amaralina: A Evolução do Ponto de Venda
O ponto de venda mais tradicional das baianas da região Nordeste de Amaralina é o quiosque do Largo de Amaralina, que começou como um simples abrigo de ônibus. Com o tempo, o local passou por várias reformas, se modernizando e adquirindo a forma de um quiosque. Porém, essas reformas, embora visassem melhorar a estrutura, nem sempre levaram em conta a dinâmica interna do trabalho das baianas. Além disso, a mudança de lugar do quiosque não agradou a todos e muitos consideram que as reformas enfraqueceram a identidade do local.
O Enfraquecimento do Largo de Amaralina e a Perda da Qualidade
O Largo de Amaralina, no auge de sua fama, chegou a contar com 32 baianas vendendo acarajé. No entanto, atualmente, são apenas cerca de cinco, e muitos questionam as razões para o declínio. Segundo uma baiana veterana, que fez parte da história do lugar, o enfraquecimento não pode ser atribuído às reformas, mas sim à queda na qualidade do acarajé oferecido. Para ela, a decadência do espaço está relacionada à falta de comprometimento e ao afastamento das baianas tradicionais, que se aposentaram ou tiveram suas funções terceirizadas. O acarajé, que antes era motivo de orgulho e disputas saudáveis entre as baianas, perdeu seu encanto. Muitas pessoas, ao provarem um acarajé de baixa qualidade pela primeira vez, não retornam mais.
A História do Acarajé no Quiosque de Amaralina
O quiosque do Largo de Amaralina tem mais de 100 anos de história e começou com uma senhora chamada Benta, que vendia mingau pela manhã e acarajé à tarde. Ao longo dos anos, o local foi sendo reformado e modernizado, mas o que realmente mudou foi a qualidade e o compromisso das baianas com o produto. As baianas antigas, com sua experiência e zelo, eram as responsáveis pela qualidade que fez o acarajé do Largo de Amaralina famoso.
O Acarajé de Amaralina Ainda é o Melhor?
O acarajé do Largo de Amaralina já foi, sem dúvida, um dos melhores da Bahia, mas as mudanças no local e nas práticas de trabalho das baianas têm gerado questionamentos sobre a manutenção da qualidade. No entanto, a história do acarajé em Salvador, especialmente no Nordeste de Amaralina, continua a ser um reflexo da resistência, da luta e da identidade cultural das mulheres baianas. Mesmo com os desafios e as transformações, o acarajé segue sendo um símbolo de sabor, tradição e história para Salvador.