Nos últimos anos, os drones se tornaram ferramentas indispensáveis para produtores de conteúdo, jornalistas e comunicadores que buscam novas formas de registrar a realidade da nossa comunidade. Mas, ao mesmo tempo que são sinônimo de inovação, também carregam consigo um peso enorme de desconfiança e estigmas muitos deles alimentados por sensacionalismo e políticas invasivas.
Recentemente, um jornal policial sensacionalista afirmou abertamente que utiliza drones para monitorar bairros, incluindo o Nordeste de Amaralina. Essa declaração trouxe um impacto direto na relação entre o equipamento e os moradores, gerando desconfiança, medo e uma sensação de invasão de privacidade. Para muitos, a presença de um drone sobrevoando suas casas é vista como uma ameaça, especialmente à noite, quando surgem denúncias de equipamentos “vigiando” residências e até espiando a vida íntima das pessoas, principalmente de mulheres.
Drones e a quebra da confiança
Enquanto o jornalismo policial usa o drone para reforçar estigmas de criminalidade e marginalização, o próprio Estado também faz uso contínuo desses equipamentos para monitorar a comunidade. A combinação dessas práticas cria um ambiente onde o morador se sente constantemente observado e vigiado, sem direito à privacidade. Esse contexto afeta diretamente o trabalho de comunicadores que utilizam drones como uma ferramenta legítima de expressão e registro cultural.
Na prática, muitos de nós, produtores de conteúdo e cinegrafistas locais, somos colocados na linha de fogo dessa desconfiança. Cada voo é motivo de explicação, seja para o morador que vive desconfiado e cansado de ser alvo de julgamentos, ou para instituições que veem o equipamento como uma possível ameaça. Por vezes, somos confundidos com agentes do Estado ou mesmo do poder paralelo, o que coloca em risco não apenas nosso trabalho, mas também nossa segurança.
Medo de usar o equipamento
A desconfiança gerada por essa superexposição sensacionalista não se limita aos moradores. Muitos profissionais da própria comunidade, que atuam em emissoras de grande porte, evitam usar drones por medo de perder o equipamento ou de enfrentar problemas com o Estado e o tráfico. O potencial criativo e artístico dessas ferramentas acaba sendo limitado por um ambiente de constante tensão.
Um drone, que poderia registrar a beleza da arquitetura do Nordeste de Amaralina, suas manifestações culturais e seu cotidiano vibrante, acaba sendo visto apenas como símbolo de monitoramento e controle. E o resultado é uma quebra na autoestima da comunidade, que já carrega o peso de décadas de estigmas e marginalização.
O impacto no trabalho comunitário
Como comunicadores, enfrentamos um paradoxo. Queremos usar o drone para contar histórias reais, humanas e positivas, que mostrem a riqueza cultural e a força da nossa gente. Mas, para isso, precisamos lidar com barreiras invisíveis, construídas por anos de discriminação e pela forma sensacionalista como nossa comunidade é retratada na mídia.
Em vez de nos tornarmos pontes para mudar essa narrativa, muitas vezes somos obrigados a explicar nossas intenções a cada passo. O equipamento, que deveria aproximar, acaba afastando. A desconfiança é compreensível em um ambiente onde o morador vive entre extremos — o Estado de um lado, o poder paralelo do outro —, mas dificulta a construção de uma nova visão sobre quem somos.
Resistir é criar
Apesar dos desafios, resistimos. Continuamos buscando formas de usar o drone e outras ferramentas para contar histórias que mostrem a verdadeira essência do Nordeste de Amaralina. Isso exige paciência, diálogo constante com a comunidade e um compromisso em combater os estigmas que nos foram impostos.
Enquanto o sensacionalismo nos reduz a uma narrativa única de violência e vulnerabilidade, é nosso papel como comunicadores comunitários, criar e espalhar outra visão. Uma visão que reconheça os problemas, mas também celebre as conquistas, a cultura e a força da nossa gente.
O caminho é desafiador, mas necessário. Que o drone, um dia, seja apenas uma ferramenta de criação e não mais um símbolo de vigilância ou medo. Afinal, nossa comunidade merece ser vista por suas potencialidades, e não apenas pelos estigmas que insistem em nos impor.