O evento voltado para a dramaturgia negra, promoveu em seis dias de festival diversos eventos, fortalecendo o cenário artístico-cultural.
A dramaturgia é a arte de desenvolver textos criados ou adaptados para produções contemporâneas. Na encenação, papéis que contam a história negra durante muitos anos, foram representados por pessoas brancas e seus rostos pintados (Blackface), o teatro não era lugar para os negros, mesmo sendo para contar a própria história. Surge então em 1944, o Teatro Experimental do Negro -TEN, o pensamento era construir a identidade intelectual do negro perante a sociedade e valorizar a verdadeira cultura brasileira.
80 anos se passaram, o negro, mesmo sendo minoria, vem ganhando espaços na construção de novas narrativas. Movimentos artísticos e culturais também vem fortalecendo o teatro e a dramaturgia negra, o diferencial é que as histórias são protagonizadas por aqueles que sentem essas dores, pessoas subjugadas que mesmo tendo seus rostos estampados nos cartazes como artista, aplaudidos nos palcos, na realidade, são facilmente confundidos com o serviçal da casa grande.
Corpos negros violentados tornam-se temas das maiores produções do país, antes figuração, piada, hoje protagonistas. Ninguém conta histórias melhores que aquelas que vivenciaram a realidade, por isso, as produções têm emocionado cada vez mais o público. A aproximação entre realidade e dramaturgia choca aqueles que estão distantes do que acontece no cotidiano de populações historicamente estigmatizadas.
Atualmente, nas redes sociais, aproximam-se os conteúdos produzidos por artistas, pesquisadores e escritores, permitindo à população acessar os trabalhos artísticos, que vêm se destacando na ocupação de novos espaços, na disseminação de conhecimento e no desenvolvimento de novos talentos. Tais conquistas abriram as portas para outros artistas, também possibilitou o surgimento de novas dramaturgias negras, que vêm se desenvolvendo e buscando os objetivos pelos quais TEN foi criado.
Entretanto, para a construção de espaços igualitários há a necessidade de romper as bolhas da sociedade, um trabalho que leva tempo. Apesar da população negra brasileira ter evoluído intelectualmente, ter as manifestações artísticas-culturais populares como o samba, capoeira e o RAP, reconhecidos mundialmente, a opressão e as críticas sempre marginalizam as inovações apresentadas, o que não é diferente, tratando-se da dramaturgia negra.
O cenário midiático nacional reitera que os artistas negros nos papéis principais de grandes produções, não se comparam aos papéis destinados a artistas brancos. Entre os papéis de protagonistas masculinos na TV, 20% são ocupados por homens negros, 74% por brancos; já em relação à papéis femininos, 27% são ocupados por mulheres negras, sendo 62% por brancas, apesar do panorama atual demostrar crescimento em papéis para novos artistas negros, os profissionais em posição de destaques ainda são minoria.
As mudanças acontecem porque mais artistas negros têm produzido de forma independente seus trabalhos artísticos, bem como têm buscado oportunidades e levado ao público através dos meios digitais seus trabalhos produzindo. Desta forma, festivais têm sido um modelo de divulgação de trabalhos desses artistas, mas também têm mobilizado o conhecimento e o empreendedorismo para um público diversificado.
Como instrumento de disseminação artístico-cultural o Melanina Acentuada Festival ano IV, movimentou o cenário cultural baiano, desde a estreia no Teatro de Arena em São Paulo, o evento tem se reinventado a cada ano, sempre com programações diversificadas, imersa em temáticas que dialogam com a cultura afro-brasileira e que tem objetivo de levar conhecimento e arte.
Idealizado pelo autor, ator, diretor e produtor Aldri Anunciação, o Festival apresentou a sexta edição em Salvador, cidade que tem 80% da população negra. Também construiu, ao longo dos seis dias de festival, novas relações através das histórias compartilhadas nos ambientes disponibilizados. Nesta edição, os espectadores estiveram imersos em 80 horas de narrativas negras, divididas em diversos espaços como Goethe-Institut, Teatro Cambará (Casa Rosa) e Teatro Molière (Aliança Francesa), além das redes sociais.
A “Qualidade Transmídia das Narrativas Negras”, proposta apresentada pelo evento, expõe a potência do festival que transmite em cada atividade apresentada uma relação com cotidiano de pessoas que compareceram ao festival, as apresentações de espetáculos, mesas redondas, oficinas criativas, consultorias dramatúrgicas, leituras dramáticas, entrevistas públicas e compartilhamentos de processos criativos, fizeram parte da grade do Melanina. Espaço aberto ao público, com exceção dos espetáculos com valor simbólico
O Melanina foi um festival pensado para públicos diversificados, com o intuito de trazer inclusão para todos, os espetáculos foram traduzidos em Libras, além disso, ateliê de ideias, entrevistas, entre outras atividades foram transmitidas ao vivo, via internet, permitindo ao público acesso às experiências compartilhadas durante os dias de evento.
O Melanina Acentuada Festival é um evento possível através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, o que alerta para a necessidade de uma manutenção de políticas de promoção cultural no Brasil. Principalmente no que tange à exposição de expressões artísticas afro-brasileiras, essa valorização tem como intuito uma sociedade mais justa, que combata uma violência simbólica instituída séculos atrás.